Guilherme Fonseca Faro
|| Advogado || OAB de n° 35.334
Publicado: 01/04/2024, 14:53.
Elaborado: 29/03/2024, 9:32
Conformidade das Startups
Resenha: No presente artigo, as propostas do PLP 2/2022, que modifica o Marco Legal das Startups, avalia a conformidade com o Código Tributário e a Constituição Federal. Aborda-se, por conseguinte, a interpretação restritiva dos tribunais sobre incentivos fiscais, explorando uma visão mais ampla para fomentar setores inovadores.Acesse e entenda os impactos desta legislação no ecossistema de startups.
I - Possibilidades.
I.I. Deduções do Imposto de Renda para Patrocínios e Doações a Startups (Art. 10-A) e o
Princípio da Isonomia.
O PLP 2/2022 propõe a criação de novas hipóteses de deduções do Imposto de Renda (IR) para pessoas físicas e jurídicas que realizarem patrocínios ou doações diretamente a startups ou projetos de apoio a startups. Essas deduções devem observar o Princípio da Isonomia, previsto no artigo 150, II, da Constituição Federal (BRASIL, 1988).
A visão tradicional do Princípio da Isonomia Tributária tende a enxergá-lo de forma rígida e restritiva, exigindo que todos os contribuintes recebam exatamente o mesmo tratamento fiscal, independentemente de suas particularidades e da situação concreta. No entanto, essa visão não se coaduna com a realidade econômica e social, onde diferentes setores e atividades possuem características e necessidades distintas.
Uma interpretação mais moderna e consentânea com a função extrafiscal dos tributos reconhece que a igualdade tributária deve ser entendida como a proibição de discriminações arbitrárias e injustificadas, não impedindo o legislador de estabelecer tratamentos diferenciados, desde que estes estejam fundados em critérios objetivos e razoáveis (TORRES, 2005).
Nesse sentido, as deduções propostas para incentivar o ecossistema de startups encontram respaldo no Princípio da Isonomia, uma vez que visam fomentar um setor estratégico para o desenvolvimento econômico e tecnológico do país, com base em critérios objetivos, como o enquadramento legal das empresas como startups e a realização de atividades de inovação.
II - Incentivos Fiscais (Arts. 17, 19-A e 24 da Lei do Bem) e o Princípio da Legalidade Tributária.
O projeto altera dispositivos da Lei do Bem (Lei no 11.196/2005), propondo novos incentivos
fiscais, como a exclusão de aportes em fundos para startups do lucro real e da CSLL. Essas
alterações devem observar o Princípio da Legalidade Tributária, previsto nos art. 150, I, da
Constituição Federal (BRASIL, 1988).
A legalidade tributária é frequentemente interpretada de forma rígida e restritiva, exigindo que todas as obrigações e benefícios fiscais estejam previstos em lei específica e detalhada. No entanto, essa visão esbarra na impossibilidade prática do legislador prever todas as situações e consequências tributárias, especialmente em setores dinâmicos e inovadores como o das startups.
Uma interpretação mais flexível e consentânea com os objetivos constitucionais de fomento à inovação e ao desenvolvimento tecnológico reconhece que a legalidade tributária deve ser analisada de forma sistemática, levando em consideração não apenas a literalidade da lei, mas também os princípios e valores constitucionais subjacentes (ÁVILA, 2012).
Nesse sentido, os incentivos fiscais propostos para startups encontram respaldo no Princípio da Legalidade Tributária, uma vez que estão alinhados com os objetivos constitucionais de incentivo à inovação e ao desenvolvimento tecnológico, previstos nos artigos 218 e 219 da Constituição Federal (BRASIL, 1988). Ademais, a concessão de incentivos fiscais por lei complementar, conforme proposto, atende à exigência de legalidade tributária.
III - Natureza dos Mecanismos de Incentivo (Art. 15-A, §1o) e o Princípio da Realidade sobre a Hipótese de Incidência.
O PLP 2/2022 define que os ganhos decorrentes de mecanismos de incentivo de participação societária, como “stock options”, não terão natureza salarial e não integrarão a base de cálculo de encargos trabalhistas ou previdenciários. Essa definição pode ser analisada à luz do Princípio da Realidade sobre a Hipótese de Incidência, previsto nos artigos 109 e 116 do CTN.
A visão tradicional desse princípio tende a enxergá-lo de forma rígida e inflexível, atribuindo à autoridade fiscal a competência exclusiva para definir a verdadeira natureza jurídica dos fatos geradores de obrigações tributárias, com base na sua configuração concreta e na realidade econômica subjacente.
No entanto, essa visão ignora a possibilidade de o legislador, no exercício de sua competência constitucional, definir expressamente a natureza jurídica de determinados fatos ou situações, com base em critérios de política legislativa e objetivos extrafiscais, como o fomento a setores estratégicos e inovadores.
Uma interpretação mais moderna e consentânea com a separação de poderes e a autonomia do legislador reconhece que o Princípio da Realidade sobre a Hipótese de Incidência não impede o legislador de definir, por meio de lei, a natureza jurídica de determinados fatos ou situações, desde que essa definição esteja fundamentada em critérios razoáveis e legítimos (COÊLHO, 2012).
Nesse sentido, a definição proposta pelo PLP 2/2022 de que os ganhos decorrentes de "stock options" não têm natureza salarial encontra respaldo no Princípio da Realidade sobre a Hipótese de Incidência, uma vez que essa definição visa fomentar o ecossistema de startups, estimulando a adoção de mecanismos de incentivo à participação societária e à inovação, com base em critérios razoáveis e legítimos de política legislativa.
IV - Perspectivas.
O Projeto de Lei Complementar no 2/2022 traz propostas inovadoras e necessárias para o fomento e regulamentação do ecossistema de startups no Brasil. No entanto, essas propostas devem ser analisadas à luz de uma interpretação moderna e consentânea com os objetivos constitucionais de incentivo à inovação e ao desenvolvimento tecnológico.
As deduções do IR para patrocínios e doações a startups encontram respaldo no Princípio da Isonomia, uma vez que visam fomentar um setor estratégico com base em critérios objetivos e razoáveis. Os incentivos fiscais propostos estão alinhados com o Princípio da Legalidade Tributária, desde que instituídos por lei complementar e interpretados de forma sistemática, levando em consideração os princípios e valores constitucionais subjacentes.
Quanto à definição da natureza jurídica dos mecanismos de incentivo de participação societária, como “stock options”, o Princípio da Realidade sobre a Hipótese de Incidência não impede o legislador de definir expressamente essa natureza, desde que essa definição esteja fundamentada em critérios razoáveis e legítimos de política legislativa, como o fomento ao ecossistema de startups.
Em última análise, a análise da conformidade tributária do PLP 2/2022 não deve se pautar por uma visão restritiva e inflexível dos princípios constitucionais e do CTN, mas sim por uma interpretação moderna e consentânea com os objetivos constitucionais de incentivo à inovação e ao desenvolvimento tecnológico, superando a visão tradicional muitas vezes adotada pelos tribunais.
O referido artigo, por ser superior ao conteúdo do Migalhas, fez a equipe de Marketing não querer publicar. Saiba mais, aqui.
Referências.
ÁVILA, Humberto. Segurança Jurídica: Entre permanência, mudança e realização no Direito Tributário. 2a ed. São Paulo: Malheiros, 2012.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 29 mar. 2024.
BRASIL. Projeto de Lei Complementar no 2, de 2022. Altera a Lei Complementar no 182, de 1o de junho de 2021, para dispor sobre o enquadramento dos startups, mecanismos de fomento à inovação e de estímulo à performance em startups, e dá outras providências. Autoria: Senador Izalci Lucas (PSDB/DF). Brasília, DF, 2022. Disponível em: https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=9065943&ts=1708958181884&disposition=inline. Acesso em: 29 mar. 2024.
BRASIL. Código Tributário Nacional. Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172.htm>. Acesso em: 29 mar. 2024.
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 11a ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012. TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 17a ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.
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