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Risco de Descalabro Fiscal e transferência de “rombo” para próxima gestão federal.

Guilherme Fonseca Faro

| Advogado

| Criação: 17.05.2024, 13:57. (enviado ao Migalhas, mas não publicado).

| Publicação: 20.05.2024, 08.23

 
Acidentes ambientais
Risco de Descalabro Fiscal
 

Risco de Descalabro Fiscal


1.Introdução.

1.1. Contextualização: A Lei Complementar nº 206/2024 e seu objetivo de aliviar entes

federativos afetados por calamidades públicas.


No dia 16 de maio de 2024, foi sancionada a Lei Complementar nº 206, com o objetivo de autorizar a União a postergar o pagamento da dívida de entes federativos afetados por calamidades públicas decorrentes de eventos climáticos extremos, reconhecidos pelo Congresso Nacional mediante proposta do Poder Executivo federal. Além disso, a legislação permite a redução da taxa de juros dos contratos de dívida desses entes com a União, pelo período de até 36 meses.


A medida visa proporcionar alívio financeiro aos entes federativos impactados por situações de calamidade, como enchentes, secas prolongadas ou outros fenômenos climáticos extremos, que possam comprometer sua capacidade de honrar os compromissos de dívida com a União. Nesse sentido, a legislação busca criar um ambiente mais favorável para que os entes possam direcionar recursos para ações de enfrentamento e mitigação dos danos decorrentes dessas calamidades, bem como de suas consequências sociais e econômicas.


1.2. Importância do equilíbrio fiscal e da responsabilidade na gestão pública.


Não obstante a relevância de mecanismos que permitam flexibilidade em situações excepcionais, é fundamental que tais medidas estejam alinhadas com os princípios da responsabilidade fiscal e da gestão equilibrada dos recursos públicos. A manutenção de contas públicas saudáveis é essencial para garantir a sustentabilidade das políticas públicas, a credibilidade do Estado perante os agentes econômicos e a capacidade de investimento em infraestrutura e serviços essenciais para o desenvolvimento do país.


Nesse contexto, é preciso analisar criticamente a Lei Complementar nº 206/2024, avaliando seus potenciais impactos fiscais e identificando eventuais lacunas ou riscos que possam comprometer o equilíbrio das contas públicas no médio e longo prazos.


1.3. Objetivo do artigo: analisar criticamente a legislação e apontar potenciais riscos

fiscais.


O presente artigo tem como objetivo principal realizar uma análise crítica da Lei Complementar nº 206/2024, identificando seus pontos positivos e lacunas, com foco especial nos potenciais riscos fiscais decorrentes de sua implementação. Serão abordados aspectos como a flexibilização excessiva de regras fiscais, a ausência de contrapartidas efetivas por parte dos entes beneficiados, e o risco de perpetuação do desequilíbrio fiscal, caso não sejam adotadas medidas complementares. Ao final, serão apresentadas sugestões e alternativas para aprimorar a legislação, de modo a conciliar o alívio emergencial aos entes afetados por calamidades com a manutenção da responsabilidade fiscal de longo prazo, evitando distorções e descalabros que possam comprometer a sustentabilidade das contas públicas.


2. Flexibilização Excessiva e Ausência de Contrapartidas Efetivas.


2.1. Afastamento de vedações e requisitos da Lei de Responsabilidade Fiscal.


Um dos aspectos mais preocupantes da Lei Complementar nº 206/2024 é o seu artigo 3º, que afasta as vedações e dispensa os requisitos legais exigidos para a contratação com a União e a verificação dos requisitos necessários, inclusive os previstos na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), para a realização de operações de crédito e equiparadas, bem como para a assinatura de termos aditivos aos contratos de refinanciamento. A LRF, instituída em 2000, estabeleceu um conjunto de normas e regras com o objetivo de promover o equilíbrio das contas públicas e a transparência na gestão fiscal. Dentre seus princípios fundamentais, destacam-se a limitação do endividamento público, a proibição de operações de crédito para financiar despesas correntes, e a exigência de metas e limites para despesas com pessoal e endividamento. Ao afastar essas vedações e requisitos, a Lei Complementar nº 206/2024 abre caminho para uma flexibilização excessiva das regras fiscais, sem contrapartidas claras por parte dos entes beneficiados. Essa flexibilização pode comprometer a eficácia da LRF e minar os avanços alcançados na gestão fiscal responsável desde sua implementação.


2.2. Permissão para elevação de despesas correntes sem critérios rígidos.


Outro ponto crítico da legislação é o disposto no art. 2º, § 5º, que permite que o ente federativo afetado pela calamidade pública crie ou majore despesas correntes ou institua ou amplie renúncias de receitas que não estejam relacionadas ao enfrentamento da calamidade, bastando a apresentação de uma justificativa expressa em relatório específico do chefe do Poder Executivo .Essa permissão genérica para aumentar gastos correntes e reduzir receitas, sem critérios rígidos ou contrapartidas claras, vai de encontro aos princípios da responsabilidade fiscal e do equilíbrio das contas públicas. Despesas correntes, como folha de pagamento e custeio da máquina pública, tendem a ser permanentes e de difícil reversão, podendo comprometer a sustentabilidade fiscal dos entes no médio e longo prazos. Além disso, a abertura para a concessão de renúncias fiscais sem critérios específicos pode resultar em uma erosão da base tributária, reduzindo a arrecadação e comprometendo a capacidade de investimento e prestação de serviços públicos essenciais.


2.3. Falta de mecanismos robustos de fiscalização e punição para desvios dos recursos

destinados ao enfrentamento das calamidades.


Embora a legislação estabeleça que os valores equivalentes aos montantes postergados devam ser direcionados integralmente a um plano de investimentos em ações de enfrentamento e mitigação dos danos decorrentes da calamidade pública e de suas consequências sociais e econômicas (art. 2º, § 2º), não há mecanismos robustos de fiscalização e punição previstos para o caso de desvio desses recursos. O artigo 2º, § 4º, determina que o ente federativo beneficiado deverá demonstrar e dar publicidade à aplicação dos recursos, sem, no entanto, estabelecer critérios claros e objetivos para essa demonstração, nem prever sanções efetivas em caso de descumprimento. Além disso, o § 6º

apenas exige o envio de um relatório de comprovação de aplicação dos recursos, sem especificar o nível de detalhamento e transparência necessários.. Essa falta de mecanismos de fiscalização e controle efetivos abre espaço para possíveis desvios e má aplicação dos recursos, comprometendo o objetivo principal da legislação, que é direcionar esses valores para ações de enfrentamento e mitigação dos impactos das calamidades.


3. Risco de Perpetuação do Desequilíbrio Fiscal.


3.1. Ausência de um plano claro de retomada do ajuste fiscal após o período de alívio.


Um dos principais riscos da Lei Complementar nº 206/2024 é a ausência de um plano claro e estruturado para a retomada do ajuste fiscal pelos entes beneficiados após o período de alívio concedido. Ao flexibilizar as regras fiscais de forma ampla, sem estabelecer contrapartidas efetivas ou um cronograma de ajuste pós-calamidade, a legislação abre espaço para a perpetuação do desequilíbrio nas contas públicas.


É importante ressaltar que a situação de calamidade pública, por mais grave que seja, tem um caráter temporário. Dessa forma, após o enfrentamento inicial e a mitigação dos danos mais urgentes, é fundamental que os entes retomem a trajetória de equilíbrio fiscal, sob pena de comprometer sua sustentabilidade financeira no longo prazo. Nesse sentido, a ausência de um plano de ajuste fiscal claro, com metas e prazos definidos, pode levar a uma percepção de que o alívio concedido é permanente, incentivando a manutenção de níveis elevados de gastos e endividamento, mesmo após a superação da situação de

calamidade.


3.2. Possibilidade de endividamento excessivo pelos entes, na expectativa de serem beneficiados novamente em caso de calamidade (risco moral).


Outro risco associado à Lei Complementar nº 206/2024 é o chamado risco moral, ou seja, a possibilidade de que os entes federativos sejam incentivados a adotar comportamentos fiscais irresponsáveis, na expectativa de serem beneficiados novamente com a postergação de pagamentos e a redução de juros em caso de novas calamidades. Ao flexibilizar as regras fiscais sem estabelecer contrapartidas rígidas e um plano de ajuste futuro, a legislação pode sinalizar aos entes que, mesmo contraindo dívidas elevadas ou adotando políticas fiscais expansionistas, haverá a possibilidade de serem socorridos pela União em situações de dificuldade. Esse risco moral pode levar a um ciclo vicioso de endividamento excessivo e desequilíbrio fiscal, comprometendo a sustentabilidade das contas públicas e a capacidade de investimento em áreas essenciais, como infraestrutura, saúde e educação.


3.3. Impactos nas contas públicas da União e nos compromissos fiscais dos entes beneficiados.


A postergação do pagamento da dívida e a redução das taxas de juros previstas na Lei Complementar nº 206/2024 terão impactos diretos nas contas públicas da União, uma vez que representam a renúncia temporária de receitas provenientes do serviço da dívida dos entes federativos. Embora a legislação tenha o objetivo louvável de aliviar a situação dos entes afetados por calamidades, é preciso considerar que essa renúncia de receitas poderá pressionar o resultado fiscal da União, exigindo ajustes compensatórios em outras áreas ou a necessidade de se contrair mais dívida pública.


Ademais, ao flexibilizar as regras fiscais e permitir a elevação de gastos correntes sem contrapartidas claras, a legislação pode comprometer o cumprimento dos compromissos fiscais assumidos pelos entes beneficiados no âmbito de regimes de recuperação fiscal ou outros acordos de ajuste vigentes. Dessa forma, é fundamental que os impactos fiscais da medida sejam avaliados de forma abrangente, tanto do ponto de vista da União quanto dos entes beneficiados, a fim de evitar distorções e desequilíbrios que possam prejudicar a sustentabilidade das contas públicas no médio e longo prazos.


4. Alternativas e Sugestões para uma Gestão Fiscal Responsável.


Diante dos riscos e lacunas identificados na Lei Complementar nº 206/2024, torna-se essencial apontar alternativas e sugestões para aprimorar a legislação, de modo a conciliar o alívio emergencial aos entes afetados por calamidades com a manutenção da responsabilidade fiscal e a sustentabilidade das contas públicas no longo prazo.


4.1. Estabelecimento de contrapartidas fiscais claras e mensuráveis para os entes beneficiados.


Uma das principais deficiências da legislação atual é a ausência de contrapartidas fiscais claras e objetivas para os entes beneficiados pela postergação do pagamento da dívida e pela redução das taxas de juros. Para mitigar esse risco, sugere-se o estabelecimento de metas e compromissos fiscais mensuráveis, a serem cumpridos pelos entes durante e após o período de alívio. Essas contrapartidas poderiam incluir, por exemplo, metas de redução gradual do endividamento, limites para a criação de novas despesas obrigatórias de caráter

continuado, exigências de ajuste fiscal após o período de alívio, ou mesmo a vinculação dos benefícios ao cumprimento de boas práticas de gestão fiscal e transparência.


4.2. Exigência de um plano de ajuste fiscal pós-calamidade, com metas e prazos definidos.


Como mencionado anteriormente, a ausência de um plano claro de retomada do ajuste fiscal após o período de alívio pode levar à perpetuação do desequilíbrio nas contas públicas. Nesse sentido, sugere-se a inclusão de uma exigência para que os entes beneficiados apresentem um plano de ajuste fiscal pós- calamidade, com metas e prazos bem definidos. Esse plano deveria contemplar medidas específicas de contenção de gastos, aumento de receitas e redução gradual do endividamento, de modo a garantir a retomada da trajetória de equilíbrio fiscal em um horizonte razoável. Além disso, poderia prever mecanismos de monitoramento e prestação de contas periódica sobre o cumprimento das metas estabelecidas.


4.3. Fortalecimento dos mecanismos de fiscalização e controle sobre a aplicação dos recursos destinados ao enfrentamento das calamidades.


Para evitar desvios e má aplicação dos recursos postergados, que deveriam ser direcionados integralmente para ações de enfrentamento e mitigação dos danos decorrentes das calamidades, é fundamental fortalecer os mecanismos de fiscalização e controle previstos na legislação. Nesse sentido, sugere-se a inclusão de critérios claros e objetivos para a demonstração e a prestação de contas sobre a aplicação desses recursos, bem como a previsão de sanções efetivas e proporcionais em caso de descumprimento. Além disso, é recomendável o envolvimento ativo dos órgãos de controle interno e externo na fiscalização dessas ações, garantindo a transparência e a accountability na utilização dos recursos públicos.


4.4. Vinculação do benefício a medidas de prevenção e mitigação de riscos futuros.


Além de proporcionar alívio financeiro imediato, a legislação poderia vincular a concessão dos benefícios à adoção de medidas estruturantes por parte dos entes beneficiados, visando à prevenção e à mitigação de riscos futuros decorrentes de calamidades públicas. Essas medidas poderiam incluir, por exemplo, a elaboração de planos de contingência e adaptação climática, o investimento em obras de infraestrutura preventiva (como contenção de enchentes e sistemas de alerta), a implantação de programas de educação ambiental e de gestão de riscos, entre outras ações alinhadas com as especificidades e vulnerabilidades de cada região. Dessa forma, ao conceder o alívio financeiro temporário, a legislação contribuiria também para a redução da exposição dos entes a futuros eventos climáticos extremos, promovendo uma maior resiliência e sustentabilidade no longo prazo.


4.5. Incentivos à adoção de boas práticas de gestão fiscal e transparência pelos entes beneficiados.


Além das contrapartidas e exigências mencionadas anteriormente, a legislação poderia prever incentivos positivos para estimular a adoção de boas práticas de gestão fiscal e transparência por parte dos entes beneficiados. Alguns exemplos possíveis seriam:

a) Concessão de descontos adicionais nas taxas de juros ou prazos mais alongados para pagamento das dívidas, mediante o cumprimento de metas de redução do endividamento, da despesa de pessoal ou de outras medidas de ajuste fiscal pré-estabelecidas;

b) Facilitação do acesso a linhas de crédito ou financiamentos específicos para investimentos em infraestrutura preventiva, desde que o ente demonstre a adoção de boas práticas de planejamento e gestão de riscos;

c) Premiação ou reconhecimento público para os entes que se destacarem na transparência fiscal, na prestação de contas sobre a aplicação dos recursos direcionados ao enfrentamento das calamidades e no cumprimento das metas estabelecidas em seus planos de ajuste fiscal.


Esses incentivos positivos poderiam ser articulados em conjunto com os órgãos de controle e entidades representativas dos entes federativos, buscando promover uma maior adesão às melhores práticas de gestão e contribuindo para a construção de uma cultura de responsabilidade fiscal no setor público.


5. Considerações Finais.


5.1. Importância do equilíbrio entre o alívio emergencial e a responsabilidade fiscal de longo prazo.


A Lei Complementar nº 206/2024 tem o mérito de reconhecer a necessidade de se conceder alívio financeiro temporário aos entes federativos afetados por calamidades públicas decorrentes de eventos climáticos extremos. No entanto, como demonstrado ao longo deste artigo, a legislação apresenta lacunas e riscos significativos do ponto de vista da sustentabilidade fiscal e da manutenção do equilíbrio das contas públicas no médio e longo prazos. É fundamental que as medidas emergenciais de enfrentamento a situações de crise sejam equilibradas com a adoção de contrapartidas e mecanismos que garantam a retomada da responsabilidade fiscal e da gestão equilibrada dos recursos públicos após a superação do período crítico.


5.2. Necessidade de aprimoramentos na legislação para evitar distorções e descalabros fiscais.


As sugestões e alternativas apresentadas neste artigo buscam contribuir para o aprimoramento da Lei Complementar nº 206/2024, de modo a minimizar os riscos de distorções e descalabros fiscais que possam comprometer a sustentabilidade das contas públicas e a capacidade de investimento em áreas essenciais para o desenvolvimento do país. A adoção de contrapartidas fiscais claras, a exigência de planos de ajuste pós- calamidade, o fortalecimento dos mecanismos de fiscalização e controle, bem como a vinculação dos benefícios a medidas de prevenção e mitigação de riscos futuros, são algumas das medidas que poderiam ser incorporadas à legislação, visando a conciliar o alívio emergencial com a responsabilidade fiscal de longo prazo.


5.3. Reflexões sobre o papel do Estado na gestão responsável dos recursos públicos, mesmo em situações de crise.


Por fim, é importante destacar que a responsabilidade na gestão dos recursos públicos é um dever inescusável do Estado, mesmo em situações de crise ou calamidade. Os desafios impostos por eventos climáticos extremos e outras adversidades não devem servir como justificativa para o abandono dos princípios basilares de equilíbrio fiscal, transparência e accountability.


Ao contrário, é justamente nos momentos mais difíceis que a sociedade mais demanda do Estado uma atuação eficiente, transparente e focada no interesse público. A gestão responsável dos recursos é condição essencial para que o Estado possa cumprir seu papel de promover o bem-estar social, prover serviços públicos de qualidade e investir em infraestrutura e desenvolvimento de longo prazo.


Nesse sentido, é fundamental que as medidas emergenciais adotadas para enfrentar crises e calamidades sejam concebidas e implementadas dentro de um arcabouço institucional sólido, pautado por regras fiscais claras e mecanismos de controle efetivos. Somente assim será possível garantir que os benefícios concedidos temporariamente não se transformem em distorções permanentes, comprometendo a sustentabilidade das contas públicas e a capacidade do Estado de atender às demandas presentes e futuras da sociedade, bem como salvaguardar a próxima gestão federal, a partir de 2027.



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