RESSIGNIFICAÇÃO DO DIA DO TRABALHO.
- Guilherme Fonseca Faro
- 1 de mai. de 2024
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Guilherme Fonseca Faro
|| Advogado
|| 01.05.2024, 15:22.

RESSIGNIFICAÇÃO DO DIA DO TRABALHO
1. INTRODUÇÃO.
O Dia do Trabalho, celebrado anualmente em 1º de maio, encontra suas raízes históricas nos movimentos operários e reivindicações da esquerda política, associando-se intrinsecamente às lutas travadas em prol da classe proletária. Entretanto, conforme preleciona a Encíclica Rerum Novarum do Papa Leão XIII (1891), publicada em resposta ao avanço das doutrinas socialistas, essa data transcende ideologias específicas e encerra significados perenes à luz dos ensinamentos da Igreja Católica. De fato, como será evidenciado nesta análise, o trabalho humano, em suas diversas formas, reveste-se de dignidade intrínseca, constituindo elemento primordial para a prosperidade individual, familiar e social. Desse modo, o Dia do Trabalho configura oportuna ocasião para refletir sobre o valor do empreendedorismo e da livre iniciativa econômica, em consonância com os princípios da Doutrina Social da Igreja.
2. O VALOR DO TRABALHO SEGUNDO A DOUTRINA CATÓLICA.
Na contramão das tendências materialistas e ateias que permearam diversas teorias socioeconômicas da Era Moderna, a Igreja Católica preservou integralmente sua tradicional visão acerca do trabalho humano, cunhada sob a perspectiva da fé revelada. Reconhecendo a realidade do pecado original e da necessidade de pena e expiação, os Livros Sagrados apresentam o trabalho como "exercício agradável" imposto pela necessidade após a Queda, conforme preconiza o Gênesis: "Comerás o pão com o suor do teu rosto" (LEÃO XIII, 1891, p. 9). Porém, longe de ser vivenciado como mera pena e sofrimento, o labor suprema por ter sido abraçado pelo próprio Verbo Encarnado, como vividamente retratado pelo evangelista Marcos: "Não é Este o Filho do carpinteiro?" (LEÃO XIII, 1891, p. 13).Dessa forma, consoante elucida Leão XIII (1891), o esforço e o suor provenientes do trabalho honesto, seja intelectual ou braçal, não devem ser vistos como opróbrio, mas antes enobrecidos por sua intrínseca conexão com a própria vida de Cristo. É precisamente no exercício de suas capacidades e talentos em prol do sustento próprio e da família que o homem exprime sua verdadeira dignidade, realiza seu aperfeiçoamento pessoal e contribui para o bem comum da sociedade. Outrossim, a atividade laborativa adquire renovada conotação à luz da doutrina católica da destinação universal dos bens terrenos, destinados por Deus ao usufruto de toda a humanidade (LEÃO XIII, 1891). Logo, é somente por meio do trabalho que o homem se habilita à devida apropriação e administração desses recursos naturais, a fim de prover não apenas suas necessidades contingenciais, mas também edificar um patrimônio perene e transmissível às futuras gerações.
3. TRABALHO E PROPRIEDADE NO MAGISTÉRIO DE LEÃO XIII.
Elucidados esses fundamentos doutrinários, a Rerum Novarum desvenda as intrínsecas conexões entre o trabalho humano e a propriedade privada dos bens, erigindo esta última como direito natural do homem. Segundo Leão XIII (1891), a própria razão demonstra que o indivíduo possui domínio sobre os frutos de seu labor, visto que neles imprime a marca pessoal de sua labuta, em uma espécie de extensão de sua própria pessoa. Negar-lhe a propriedade desses bens seria, portanto, uma inaceitável injustiça. Em uma perspectiva familiar, argumenta o Pontífice, a propriedade privada adquire renovada importância, permitindo ao pai de família assegurar meios de subsistência e patrimônio para seus filhos, cumprindo o dever de atenção às necessidades futuras dos dependentes. Qualquer tentativa de abolição do direito de propriedade representaria a própria subversão dos alicerces sociais e econômicos em que se estrutura o núcleo doméstico (LEÃO XIII, 1891).Por tais razões, a proposta socialista de extinção da propriedade particular e coletivização dos bens de produção não apenas constitui ato profundamente injusto, vilipendiando a lei natural e divina, como também verdadeiro atentado contra a dignidade, a liberdade e o desenvolvimento da pessoa humana, núcleos familiares e sociedades (LEÃO XIII, 1891). Ademais, ao solapar os estímulos e legítimas recompensas do esforço individual, tal sistema inexoravelmente geraria a letargia produtiva, a estagnação econômica e o conseqüente "empobrecimento universal" dos povos.
4. O DIA DO TRABALHO COMO CELEBRAÇÃO DA LIVRE INICIATIVA ECONÔMICA.
Refutadas as teorias socialistas e defendidos os direitos naturais do homem, a Rerum Novarum oferece à sociedade um novo modelo de desenvolvimento socioeconômico, harmônico e solidário. Nesse sistema orgânico, alicerçado na concórdia e cooperação entre as classes sociais, os direitos legítimos da propriedade privada moderada e da livre iniciativa se conjugam com as obrigações individuais de destinação do supérfluo ao socorro das necessidades alheias (LEÃO XIII, 1891). Nessa dinâmica, caberia ao Estado a oportuna intervenção na garantia da justiça e promoção do bem comum, porém respeitando sempre o primado das liberdades individuais e os direitos da sociedade familiar sobre a esfera política. É precisamente essa perspectiva que deve iluminar a renovada compreensão do Dia do Trabalho, ressignificado como ocasião oportuna para a celebração do legítimo labor humano e do exercício responsável e solidário das liberdades econômicas. Sob tal ótica, o trabalhador livre, o profissional liberal e o empreendedor inovador cumprem a meritória missão de colaborar para o progresso da sociedade, desenvolvendo suas potencialidades e talentos em benefício do corpo social (LEÃO XIII, 1891). O fruto desses esforços, logicamente, deve prover o sustento digno dos obreiros e sua prole, possibilitando a formação de patrimônio estável a ser perpetuado através das gerações.
Todavia, é também dever inarredável de cada cidadão, consoante seu meios e possibilidades, destinar parcela de seus haveres em socôrro dos carentes (LEÃO XIII, 1891). Essa atitude de desprendimento e caridade frente à riqueza, longe de humilhar o beneficiário, o enobrece como destinatário da fraternidade cristã e coopera para a efetiva redução das desigualdades socioeconômicas. Em suma, na perspectiva da
Doutrina Social da Igreja, o Dia do Trabalho deve ser compreendido como celebração da operosidade humana em todas as suas formas lícitas, sejam elas o empreendedorismo, o trabalho assalariado ou as diversas modalidades de labor criativo e intelectual. Todas essas atividades se revestem de elevada dignidade enquanto manifestações do esforço pessoal em prol da autêntica promoção humana e do bem comum.
5. CONSIDERAÇÕES.
A crítica da Encíclica Rerum Novarum às teorias socialistas parte da constatação de que estas não apenas intentam uma reforma socioeconômica injusta, violadora dos direitos naturais do homem, mas se fundam em premissas antropológicas e finalidades radicalmente antagônicas aos postulados filosóficos e teológicos do cristianismo. Em contrapartida, a proposta da Doutrina Social da Igreja não é meramente reativa, mas construtiva, oferecendo um projeto de sociedade equilibrado, que concilia justa distribuição de riquezas, promoção da dignidade operária e respeito às liberdades individuais. Essa solução, enraizada nos valores evangélicos, visa restaurar a ordem social fraterna, alicerçada na caridade cristã e na busca do Bem Comum. Em suma, às pretensas contradições insolúveis entre capital e trabalho, opõe-se a visão superior e harmônica da vocação universal dos homens à comunhão fraterna no seio da Igreja, verdadeira família dos filhos de Deus.
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